O tráfico de animais e o turismo cruel com a fauna ganharam um aliado poderoso na última década, as redes sociais. Em busca de likes, muitos usuários não medem consequências na ânsia por imagens interagindo com os bichos, o que incentiva comércio ilegal e crueldades, além de levar animais à morte
Uma ursa-parda matou um turista italiano que desceu da moto para selfies com os animais em uma estrada da Romênia. Omar Farang Zin foi arrastado por mais de 50 metros pela fêmea, ao tentar atrair os filhotes com comida.
Mesmo sabendo que a mãe ursa agiu para defender os filhotes, e que placas na estrada advertem turistas para jamais chegarem perto dos animais, autoridades afirmaram que seria sacrificada.

Omar Farang Zin fotografou momentos antes de sua morte
Em 2018, um filhote de elefante de 8 meses morreu, depois de ser separado dos dois adultos que o acompanhavam na Índia.
Famintos, os três animais entraram no vilarejo Kurubarahandi para buscar comida, mas moradores afastaram os adultos com bombinhas para tirar foto com o bebê.
Desnorteado, o filhote correu para a mata, perseguido por pessoas. Chegou a ser resgatado, desenvolveu um quadro grave de febre. A mãe voltou para procurá-lo, mas o elefantinho morreu devido ao estresse.
Em 2017, um filhote de golfinho morreu na Espanha ao encalhar na praia pois, em vez de ser ajudado, virou atração para fotos. O bebê precisava de ajuda para sair, mas as pessoas focaram em tocá-lo para selfies, como relatou a ONG Equinac, que atua em defesa de animais marinhos.
Casos absurdos como esses, que acabaram com sofrimento extremo e morte de silvestres, ficaram mais comuns com as redes sociais. Passou a ser normal perseguir animais e pagar por fotos de bichos em cárcere, muitas vezes, vítimas do tráfico, quando são vendidos para virarem atração turística.
“Entre os horrores do tráfico, está o fato de que 10% dos filhotes capturados sobrevivem até a ultima venda. Criminosos já capturam a mais, pois 90% morrerá. Cerca de 38 milhões de animais traficados no Brasil por ano, de acordo com a Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais“, conta Filipe Reis, coordenador de biodiversidade do instituto Ampara Animal.
Usados para comércio milionário, uma parte deles será preso para servir a turistas, e, outra, para venda ilegal como pet. O comprador, muitas vezes, é incentivado por fotos “fofinhas” que vê nas redes. Sem saber, ou mesmo sem se importar, colabora com os horrores do tráfico.
“A maioria morre no transporte, feito da pior maneira, de qualquer jeito. Filhotes de araras são amarrados dentro de garrafa pet, réptis, enfiados dentro de meias, sem hidratação e alimentação”, exemplifica Filipe.

78 filhotes de papagaio são apreendidos no MAto Grosso do Sul – Foto: PM Abiental MS
Recentemente, a ONG Ampara lançou a campanha Algorítmo Selvagem, que buscou justamente mostrar o quanto as postagens em redes sociais e a busca por likes influenciam no comércio ilegal de animais.
“Temos um problema bem sério no Amazonas, onde os locais capturam animais para tirar fotos com turistas. As vítimas são macacos, bichos-preguiça, serpentes, jabuti, aves, entre outras”, conta o especialista.
Animais capturados agonizam em cativeiro, ao serem presos em correntes, gaiolas e caixas, além de não receberem alimentação adequada. Muitos ainda morrem por doença passada por humanos.
“Saguis são muito sensíveis ao vírus da herpes. Se alguém transmitir ao manipular, esses animais morrem”, lembra Filipe.

Foto: Proteção Animal Mundial
O sorriso da preguiça
Fofo como pelúcia, lento como se implorasse por colo e com a anatomia do rosto que simula um sorrisinho, o bicho-preguiça é constante alvo de traficantes e caça para venda e fotos com turistas.
A ONG Proteção Animal Mundial Brasil fez um estudo sobre esse animal e descobriu que o bicho-preguiça é retirado à força, ainda bebê, após matarem a mãe para captura do filhote. O estudo encontrou casos horrorosos, como preguiças que viviam em caixa de isopor, só retiradas na hora de interagir com turistas, por dinheiro.
A investigação ainda expôs o momento em que preguiça é derrubada de uma árvore de 30 metros, em um vídeo absurdo.
Gravado na Amazônia peruana, o vídeo mostra como capturam animais para que sejam encarcerados. Imagens mostram o animal desesperado, agarrando-se ao galho, para tentar sobreviver.
Médica veterinária e gerente técnica do Fórum Animal, Haiuly Viana lembra que as pessoas ignoram os bastidores daquela imagem. “Quem tira a foto não sabe como o animal chegou ali”, completa.
Ela lembra que animais sofrem mutilações físicas, como retirada de dentes, presas e penas, além do confinamento extremo. “Ficam em gaiolas e baias muito pequenas, ou mesmo são mantidos acorrentados, muitos sofrem agressão física para tolerarem o manejo, ou seja, a quebra da alma”, conta.
A expressão “quebrar a alma do animal” ficou famosa como a tortura destinada a elefantes em países asiáticos, com espancamento e mais crueldades, até que o animal se renda ao humano, amanse e fique pronto para ser montado. Acontece também com ursos de circo, tigres e mais animais aprisionados para servir a turistas pelo mundo.
“Em atrações turísticas que usam animais é muito comum os maus-tratos para forçar o animal para aceitar a rotina de trabalho sem reagir. Animais ficam acorrentados à espera dos turistas, sem comida, muitos são vestidos com roupinhas de bonecas e adereços para fotos”, conta Rodrigo Gerhardt, gerente de vida silvestre da Proteção Animal Mundial.
Ele lembra ainda do perigo de usar comida para atrair animais para foto, na grande maioria, comida inadequada, como salgadinho, pães e outros itens que podem até matar animais.
“É risco para os bichos e para quem tenta alimentar. E essas fotos nas redes sociais incentivam outras pessoas para que queiram fazer também. Assim, animais continuam a ser explorados e submetidos a práticas cruéis, seja pela indústria do turismo ou estimulado o tráfico de animais”, explica.

Turistas pagam para montar em elefantes na Ásia – foto Proteção Animal Mundial
No Brasil, os artigos 29 e 32 da Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98) punem quem mata, persegue, caça, vende, exporta, guarda ou usa animais silvestres com detenção de até um ano e multa.
Como não prejudicar animais? Com turismo de observação de espécies, de longe, sem qualquer tipo de interação, com guia especializado que leve o turista com segurança ao habitat natural, onde o animal está livre e exerce o comportamento natural da espécie.
Esse turismo deve, inclusive, ter o número de visitantes muito controlado para não perturbar a fauna, além de multas pesadas para quem tentar tocar nos animais.
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